sábado, 25 de dezembro de 2010

Os Sertões dos Anos 2000- Crítica de Ricado Araújo J C


Como adaptar um clássico da literatura brasileira e ainda assim conservar os louros de uma eficiente publicação? Além disso, adaptar um clássico não pela primeira vez, mas um que já teve inúmeras tentativas no cinema - porém não muito bem executadas. Simples! Se desprendendo ao máximo da obra.

É o que fizeram Carlos Ferreira e Rodrigo Rosa, roteirista e desenhista, respectivamente, no quadrinho Os sertões - a luta. A tarefa de condensar cerca de 400 páginas em 80 que mesclam texto e ilustração assustou os autores no princípio, mas a decisão de imprimir liberdade sobre o texto foi fundamental para a realização do trabalho. "Pensei muito no que se falava de que Os sertões era inadaptável, mas ao mesmo tempo acho que é uma narrativa com carga visual muito forte, então encaminhei para uma abordagem mais livre. Não acredito naquele tipo de adaptação meio álbum de figurinhas, que tu ilustras e colocas o texto literalmente. Adaptação é mais do que isso", enfatiza Ferreira.

Usar a obra, mas sem repeti-la, resultou em alterações da narrativa. O personagem principal nos quadrinhos passa a ser o próprio Euclides e o foco passa a ser, além da visão do autor, toda a história referente a Canudos. Para isso, Ferreira e Rosa viajaram para a Bahia onde ficaram três dias conversando com habitantes, estudiosos da revolução e visitando o palco de algumas batalhas. "É importante vivenciar o lugar porque dá um apego sentimental maior com a obra, há outro envolvimento, tu te aproximas mais daquilo tudo", recorda o desenhista. A viagem ainda rendeu o contato com cadernetas de anotações do próprio Euclides e uma vasta pesquisa sobre a Guerra de Canudos - que se apresenta em contextualizações históricas de alguns personagens criados especialmente para os quadrinhos.

O contato com quem vivenciou os embates e a possibilidade de pisar no mesmo solo onde sangue foi derramado foi essencial para incentivar e possibilitar uma liberdade na hora de pensar as narrativas. "Na serra do Campaio, onde aconteceu a segunda batalha, tu podes ter uma separação de tempo, mas, de alguma forma, estando lá tu acabas se impregnando na história. Depois para escrever fica mais fácil, tu entendes a geografia, o clima, imagina a cena exatamente no lugar em que tu estavas", recorda Ferreira.

Originalmente dividido em três partes - A terra, O homem e A luta -, para a adaptação o foco esteve principalmente no último trecho da obra. O motivo da escolha se deu pela narrativa do autor. Primando pela descrição - já que o próprio Euclides esteve em Canudos como correspondente do jornal O Estado de S. Paulo -, Os sertões apresenta pouco diálogo e contextualização dos personagens. Visto que a linguagem dos quadrinhos prima por estes artifícios na sua concepção, adequar o texto de Euclides foi a maior dificuldade de acordo com Ferreira: "Esse foi o momento mais complicado. Eu radicalmente abandonei em muitos momentos a linguagem dele como literatura para usar a minha própria literatura do quadrinho. Existem muitos elementos visuais na obra do Euclides que ao invés de serem registrados como textos, ficaram grafados na imagem."

O sucesso do quadrinho é justamente se assumir como adaptação, uma produção independente da obra. Fato desde o início compreendido pelos autores que afirmam que a nova publicação não substitui o livro de Euclides, mas sim o complementa. "Ele não deixa de ser Os sertões porque existe apropriação literária, de trechos mesmo. Tem a visão do Euclides, mas tem o processo da própria história de Canudos", conclui o roteirista.

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