sábado, 29 de novembro de 2008

I Bienal Internacional de Quadrinhos do Rio de Janeiro- Parte 2


Foto um: sim, passamos por baixo da roleta. Com a grana que não pagávamos o ônibus compramos o macarrão dos almoços dos dez dias de gibi, bicho! Vale tudo na arte!
Foto dois: A Liga de Desenhista fazendo história na história dos quadrinhos do Brasil.Cena mitológica da exposição do Bilal.


Continuando... essa I Bienal de Quadrinhos do Rio de Janeiro ainda é uma grande referência para todos nós. Mesmos velhos e rabujentos, mantemos o mesmo romantismos e sarcarmos adquiridos, ou fortificados ali. Posso diser que esses dias fazem parte dos melhores dias da minha vida compartilhados com os meus melhores amigos. Amigos que eu mantenho até hoje, parcerias concretas e inteligentes. Cada um aqui foi e é guerreiro, artesão e autor. Ainda buscam expressar as lições que aprenderam nesses dias que deram luz aos anos 90. Fazem esssa gang a sua marca.
Eu lembro quando assistimos as exposições dos originais do Bilal, que vi o Jack e o Walter olhando as artes, as acrilicas e o lápis, as aguadas que hoje são as bases de alicerce das artes desses fantásticos artistas gaúchos. Lembro do Rodrigo impressionado com os seus ídolos Muñoz e Sampayo, buscando conversar sobre as manchas negras e soltas expressadas na arte de Allack Sinner.
"Afinal o que significa isso?"
"O significado está dentro de ti, amigo."
Foi essa a principal lição que aprendemos sobre o que desejamos nos quadrinhos. Buscar o significado de ser contadores de histórias e buscar novas formas de expressão com os quadrinhos.

Aqui começa a reunião dos gênios:
Foto um: Bonelli,Alberto Breccia, Muñoz, Sampayo e outros.
Foto dois: Breccia, Muñoz e Sampayo com a gang. Afinidade com esses guris.


Ontem Walter cometou sobre o primeiro post sobre a I Bienal de Quadrinhos, o neguinho falou da emoção que foi ler e rever essa época. Outros estão comentando comigo, perguntam quando foi isso, ou que outros registros existem.
Bom, vou responder sobre na próxima parte.

Quem disse que não rolou amor na Bienal de Quadrinhos? Olha aí a prova do crime: Pax totalmente entregue pós uma sessão de frique-frique com o Vinz enquanto o nosso peludinho tem um sonho erótico com uma cena um pouco supeita que ele assitiu na Bienal. A cena: Nossos heróis Drégus e Rodi confraternizavam carinhosamente com os grandes heróis Marvel. Reparem nos detalhes: Onde está a mão do Capitão America nesse abracinho apertado com o Drégus? Por que o capitão esconde algo com o escudo? E o Rodi? Como ele explica essa coçadinha no ombro do Homem-Aranha? E por que o tecido do uniforme do cabeça de teia tá estranho na região da virilha?

Continua...

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Paisagens Suspeitas


Não sei se o Gelson Radaelli tem a intenção de assustar as pessoas com o seu trabalho, mas conheço muita gente que tem medo dos seus quadros. Na verdade, andei constatando, sentem horror quase pânico diante daqueles quadros enormes que nos contemplam. Um pouco por isso; diante dos quadros de Radaelli nos sentimos contemplados. Isso, é evidente, dá um certo calafrio no incauto observador. Não a banalidade do frio na espinha que causa o filme de terror ou os romances de Stephen King. É outro calafrio. Talvez aquele que nos atinge quando fechamos a última página de "A outra volta do Parafuso" de Henry James, ou caminhamos solitários por certas ruas de Porto Alegre. Quando somos obrigados a pensar. Quando olhamos a nossa volta. Quando vemos essas paredes cinzas, esses rostos frios, essas pequenas mãos sujas estendidas, esses papéis voando, esses homens de sobretudo preto que circulam silenciosos e nos olham sem compaixão e nos deixam desamparados, com sentimento de culpa que não sabemos identificar porque nos sentimos suspeitos de alguma coisa. Alguma coisa muito estranha, muito feia, muito escondida fizemos em algum lugar e os quadros estão ali, mudos, grandes, em preto e branco e com aquela pastosa massa vermelha sangue para nos informar que eles sabem. Eles sabem. Alguma coisa eles sabem, alguma coisa que nós mesmos já esquecemos, mas aqueles quadros enormes, com aqueles homens disformes, sabem. Neste emaranhado de mentiras em que se transformou nosso universo de podres humanos, tudo é suspeito, e a pintura de Radaelli não nos deixa esquecer isso. As benesses são suspeitas, os elogios são suspeitos, a grana é suspeita, a glória é ainda mais suspeita, a paisagem é suspeita. A única e minúscula esperança, a básica esperança é a pintura em si mesma, incorruptível no seu horror velado: ela é a tenaz resistência do artista, o corredor impoluto que o leva para a alma.

Tabajara Ruas

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Bienal Internacional de Quadrinhos do Rio de Janeiro-Parte 1


Ethon Fonseca- virou o Guimik da Bienal com o seu nariz vermelho comprado em São Chico. Ethon é francês e foi o primeiro militante contra os super-heróis.


Em 1991, eu com 21 anos, alguns dos guris com menos idade, acho que o Walter Pax tinha lá os seus 17 anos, Rodrigo Rosa com 18 anos e rosto da patota por aí.
As primeiras notícias da Bienal começaram a chegar pelos membros da Grafar, por Adão Iturrusgarai, Santiago, Vasques, Guazzelli e outros. Depois começamos a ler sobre a Bienal dos Quadrinhos nas revistas Animal e Panacea.
Ethon e eu, amigos que trocavam idéias e informações sobre tudo dos quadrinhos. Quando soubemos que Breccia e Will Eisner viriam para o Brasil começamos a projetar a ida para o Rio.


Vista do apê do Rio. Dez dias nesse apê que até o fim da Bienal era só cheiro de saco sujo. Tinha gente que passou mais de dez dias sem tomar banho. Já saido de Porto Alegre fedendo. Putz...


Ethon tinha uma tia com um apê em Copacabana, ela emprestou o apartamento para ele. A sede estava definida, próximo passo era tentar levar o maior número de quadrinhista para lá e foi o que fizemos. Cada um foi juntando grana, como dava, por empréstimo, por trampo e a família. Ethon, até a Bienal, foi viver um tempo em São Paulo. A figura do Ethon é de grande importância nessa história, ele foi o que se pode dizer de Yoda, ou Moisés, o Jesus, comparado a Antônio Conselheiro, pré-destinado como Ka-el. O cara foi líder. Estamos todos em dívida com ele. O esforço maior foi desse mestre. O cara laburou em São Paulo, com um trabalho nada fácil, para conseguir financiar a ida de alguns membros do grupo que não tinham grana. Cedeu o apê da tia dele na boa para todos nós. Tudo para um futuro melhor para os quadrinhos gaúchos. No apê ficou Jack Kaminski, Walter Pax, Vinícius Martins, Rodrigo Rosa, Moacir Martins e outros que nem lembro mais, impossível.


A liga dos desenhistas: foto 1( Walter Pax, Vinicius Martins, Carlos Ferreira, Ethon Fonseca), foto 2 (Walter Pax, Jack Kaminski e Carlos Ferreira). Fomos para o Rio para mudar o mundo! Super fortões! Que mico!


Depois de organizada a viagem para o Rio, fui passar uns dias em São Paulo para fazer companhia ao amigo Ethon. Quase não lembro nada do que fizemos em São Paulo, fora ouvir uns lps do Gonzagão, erva santana e mais erva santana. Mas lembro da chegada no Rio. Chegar de ônibus e pegar um táxi até Copacabana, depois encontrar o edifício Máster, se não era o edifício Máster, era muito parecido. O apartamento era super pequeno, um jk. Onde dez ou doze pessoas estariam vivendo ali por dez dias no período da Bienal. Uma loucura! Pelo menos a janela tinha vista para o Cristo.


Foto 1: Ethon Fonseca, Rodi Rosa, Moacir Martins e Vinicius Martins.
Foto 2: Rodrigo Rosa, Rodi Rosa, Vinicius Martins.

A Liga dos Desenhistas foi chegando aos poucos. Durante os dois primeiros dias. Mas na Bienal a coisa já fumava. Era o paraíso dos desenhistas.


Histórico encontro com o Will Eisner. Veja o detalhe da foto com o Will impressionado na presença do Rodi, editor da Made in Brasil. Will (querendo uma boquinha na revista de vanguarda mundial) estende a mão para o Rodi, mas ele não tá nem aí para o pai do Spirit.


Continua...

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

A Guerra!


Alguém me perguntou onde está a guerra. Que guerra é essa? Eu posso fazer outra pergunta no lugar...Onde está a paz? Onde está a fraternidade, irmão? Onde está a igualdade?
Desde criança eu fui educado a acreditar no ser humano, na sociedade e seus meios, nos amigos e nos sonhos.
"Perante a Deus somos todos iguais."
Há felicidade espalhada em todas as janelas, cartazes, filmes. Em todas as imagens.
Lixo! Até aqui só vi jogos, mentiras e covardia. Salvo poucos exemplos de coragem, honestidade e inocência.

Essa semana parei para assistir um programa na Discovery Channel sobre a industria dos games, a evolução dessa industria e seu casamento com os militares norte-americanos. Sim, sei que não é novidade, mas os mílicos norte-americanos estão cada vez mais recrutando bons jogadores de games. Já há uma industria militar de games, e esses games são cada vez mais realistas e o perigo disso está em um dia o ser humano fuzilar outro humano na emoção mais Doom da vida. A tecnologia dos games avança para um perfeccionismo de gcs não ao acaso. É para parecer verdade porque um dia o jogador vai jogar com a realidade, mas esse jogador saberá o que é realidade?
Também assisti outro programa, meses atrás, sobre sobre a utilização da biotecnologia nas guerras. O conceito do supersoldade ja é uma fato, mas não realidade. Estamos cada vez mais distante do conceito da realidade, talvez nunca soubemos bem o que é realidade.
"Realidade é o que você força fazer."
Lembro de um momento do Corto Maltese onde uma feiticeira diz para o Corto que a mão dele não tem a linha da vida. Corto pega a faca e corta a palma da mão criando a sua própria linha da vida. Queria eu ter feito a mesma coisa, mas estou preso a essa rede enroscada da realidade. Onde tudo é oculto.
Alguém perguntou onde está a guerra...Mas preciso educar os meus filhos, criar uma redoma propetora em um país que divulga pedófilos a cada 30 minutos no Globo News, pais atiram crianças pela janelas, polícia confronta outro time de polícia com armas de guerra. Avião explode com 176 pessoas...
Onde está a guerra?
Vai tudo pelos ares por que o ser humano é merda!
Hoje eu faço parte de uma geração que podia ter feito a diferença, mas não fez. Postergou todos os projetos, acumulou tudo em projetos inacabados, disperdiçou tempo com a vagabundice, disperdiçou o meu tempo. Sempre acreditei que podíamos ter feito a diferença, acreditei na liga. Ainda acredito na parceria. Em um grupo consciente fazendo a mudança.
Vivo a época dos cínicos, e sou mais um desses. Mas hipócrita não, amigo. Mantenho as mesmas idéias e ideais há mais de 17 anos. Há 38 anos. Nunca me vendi para nenhum laborátório de desenho. Pagando ou não minhas contas eu ainda estou aqui expressando a minhas idéias e emprestando essas, esboçando essas idéias para ti, produzindo-as em eterno conflito contra essa guerra que poucos querem ver.
Ser humano é lixo e eu não varro para baixo do tapete. No fundo sou romântico e luto por uma mudança ou no mínimo um pouco lúcidez. Aos que possam (ou sabem )pensar e dizer: lúcidez de quem? Tá falando de quem? Da tua falta de lúcidez?

Sim, bebum, sim...
Afinal, que guerra é essa?

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Um tira gosto...


Roteiro, desenhos e cores: Carlos Ferreira
Desenhos, cores e arte-final: Moacir Martins

PeekaBoo 4



Os Intocáveis na foto selaram um pacto contra os gangsters e disseram:

- É guerra?
- Certo, declaramos guerra à mesmice, ao clichê e a linha de produção vampiresca.
- O mundo de consumo dessa falida globalização tece uma crise mundial onde as galinhas apavoradas vão comendo toda a ração enquanto a água vai sendo evaporada das reservas naturais para os tanques vazios de petróleo roubados no Iraque. Essas criaturas bebem por indução à nossa fonte criadora enquanto trocam o prólogo por o epílogo. Mas nós, submergimos para depois emergir bravos com a idéia da revolta.
- Reações de energia quântica propulsora do tecido imaginativo do universo explodem maravilhosas histórias em quadrinhos nas nossas cabeças.

Dizem os bufões-ronins reunidos na fotografia acima.

- Nós, Peekaboo, um grupo de artistas, iremos cortar mais uma vez o ritmo merengue poser rocker para uma área enlouquecida da orquestra clássica de vanguarda. Somos grafistas de identidade. Vamos publicar a Peekaboo 4. Estão preparados para isso?

- Sim, falta humildade da minha parte quando digo que vamos fazer a melhor revista em quadrinhos já produzida. Original, textual e de desenho único.
- Uma energia química, ou termo nuclear, uma força que vai romper o tecido do espaço tempo transmigrando do passado para o futuro a anarquia de uma geração que tremeu as bases do grafismo nacional e internacional na Bienal de Quadrinhos do Rio de Janeiro. Peekaboo foi considerada a melhor revista independente dos quadrinhos pelo próprio Will Eisner, por Alberto Breccia, José Muñoz, Felipe Cava, Carlos Sampayo e Moebius na Bienal Internacional de Quadrinhos do Rio de Janeiro.
- Isso exatamente há 17 anos.
- Agora ela volta para honrar esse mérito para uma nova geração de leitores e seu fiel público, gente. É hora de impor respeito!

- Rafael Sica. Fabiano Gummo. Walter Pax. Rodrigo Rosa. Moacir Martins. Leandro Adriano. Nik. Carlos Ferreira. E mais...

- Peekaboo 4 em maio de 2009. Vai explodir o território dominado pela nação de zumbis, os brazuquinhas gringos.

- Estão realmente preparados para isso?

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Nasce Menina Morango


Uma rápida introdução. Quando eu comecei com essa história de fazer quadrinhos me foquei com uma pretenciosa idéia de fazer uma série em quadrinhos. Inspirado em séries de tevê como Twin Peaks; séries de quadrinhos como Torpedo e Monstro do Pântano; e sequências reais de uma época da minha vida. Foi assim que surgiu uma lisérgica história em quadrinhos batizada de Menina Morango.Isso lá no início dos anos 90. De lá para cá eu produzi em um ritmo caótico mais de trezentas páginas desse universo que é quase inédito, salvo três histórias publicadas na revista PeekaBoo Quadrinhos e a mini-série CAOS. Universo apelidado de Ferreteria.

Decidi finalmente abrir as caixas da última mudança que fiz há cinco anos e revi essas páginas e personagens como Cao, o Assassino do boné N, Niki, o Homem-Corvo e outros...Foi uma sensação estranha rever essas páginas mofadas e mágicas.
Abri as minhas caixas de Pandora e um universo gritou! Vai expandir aqui!
Essa extensa saga da Menina Morango tem um conto com um bom clima de introdução dessa dimensão de realismo fantástico, apesar da ausência da personagem principal Cristina, Menina Morango.
Centauros é uma história escrita e desenhada em 1994, eu me inspirei numa escadaria aqui em Porto Alegre, e fotos expressionistas. Na época eu queria criar uma hq que não fosse do universo Menina Morango, mas relendo esse quadrinho, hoje, eu vejo que tem tudo a ver com a Cristina. Acho até que ela é a Morela (uma das personagens de Centauros), Cristina poderia estar disfarçada...Bom, melhor não falar nada. Bom, vou deixar vocês descobrirem o mundo da Menina Morango. Busquem o blog Menina Morango nos meus links, amigos.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Super Obama!


Ontem foi uma noite Sopranos. Dois cafas no submundo filosofando o futuro do planeta. Falo de Rodrigo Rosa e eu. Fomos até o escritório do Tony Soprano enquanto o Barack Hussein Obama era oficialmente confirmado o novo presidente do EUA!
“Grande ironia do destino, os EUA ter um presidente norte-americano com esse nome.”, disse o Rodrigo Rosa ontem em um inferninho.
“É a Black Power, hermano Rosa. Demorou, mas...”
Sim, foi mais um momento que todos nós vivemos da história mundial. Quem diria? Um presidente negro no EUA. Foi como ver o homem pisando na lua. O planeta todo parou.
Lembro da sensação de pessimismo que eu tive depois das quedas das Torres. O falado fim dos tempos na série de tevê Millennium de Chris Carter. Mas com o Obama há um fôlego novo, um clima de otimismo em uma época de trevas.
Isso vai se refletir nas histórias em quadrinhos, amigos. Nos Comics e nos Gibis. Em breve o mercado dos Comics deve se fechar para a produção estrangeira. Menos desenhistas brasileiros vão desenhar para os EUA. Com o Obama serão centradas as oportunidades de trabalho no povo norte-americano. Isso não deve só acontecer com os comics, mas com diversos produtos de exportação brasileira que põe em risco o trabalhador dos EUA. O Dolar não deve sair como antes das fronteiras da América. Medidas serão tomadas, a principal regra desse governo é prestigiar o trabalhador norte-americano. Vai ser assim com tantos produtos brasileiros. Tal mudança devido à crise econômica norte-americana.
Não significa que não vamos ver desenhistas brasileiros no mercado gringo, mas vai ser um mercado mais competitivo para se ter os brasileiros nas editoras. Acho isso bem bom, vai gerar mais competividade. Vai ter muitos estúdios e agenciadores de desenhos quebrando no Brasil. Quem sabe assim o gado brasileiro aprede a olhar o seu próprio país e começe regassar as mangas na busca de uma identidade própria para os nossos quadrinhos. Então ao invés de John, Jack e Stevie teremos João, José e Esteves.
Preparem-se, isso a partir de 2010. Quem quiser seguir uma receita para sobreviver essa revolucionaria mudança, melhor ser mais criativo. A época de puta barata está com os dias contados.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008



Procure ser uma pessoa de valor, em vez de ser uma pessoa de sucesso.
Albert Einstein

domingo, 2 de novembro de 2008

Vinicius Martins

Outro sábado, 01 de novembro. Como eu disse, sábado passado um sábado especial. Um tio meu acabou morrendo no fim desse sábado. Seu nome João Jorge Marques dos Santos. Passarinho, Jorge, morreu de câncer, um querido parente, foi uma morte injusta, sofrimento por anos. Morreu em condições delicadas de pobreza e tristeza. Eu não acompanhei os seus meses finais, certo sentimento de culpa eu sinto, mas a minha covardia e preconceito foram mais forte. Mantive-me longe dele, posterguei uma visita até o extremo. No domingo eu fui ao enterro.
Ok, fui um filho-da-puta. Eu que declaro sempre aqui um grito sobre mantermos a nossa humanidade, estou agora mostrando um lado meu obscuro, mas fazer o quê? Joguem as pedras!
...
Bom, mas não é de mim, ou minha família que eu quero falar aqui hoje. Vamos deixar isso para um outro momento. É sobre o quadrinhista Vinícius Martins. Antes de eu dizer qual quer coisa sobre Vinicius “Vinz” Martins vamos mostrar o que ele era capaz de fazer nos quadrinhos com os seus 17 anos. Leiam:


vinz

pagina 1



página 2


página 3




página 4

Eu reli essa hq no mesmo sábado da morte do meu tio. Impressionou-me o texto, a narrativa e até os desenhos que a primeira vista parecem traços feios, duros e sujos, mas lendo esse quadrinho você vai descobrir que são garatujas atmosféricas dando um senso de pavor e ruína.
Essa hq foi lançada em uma revista “fanzine” independente chamada Fantoche. Isso em 1989, a Fantoche, uma coletiva de autores juvenis, artistas que se conheceram na escolinha de arte da UFGRS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Eram Ethon Fonseca, Vinicius Martins, Moacir Martins, Daniel Pellizari e Luiz Pellizari. Todos esses guris envolvidos tinham sensibilidade, inteligência e humor peculiares. Expressaram idéias e buscaram experimentar um senso de intimismo que divergia das correntes estéticas dos quadrinhos profissionais onde na maioria das vezes esses quadrinhos profissionais publicavam e exploravam os gêneros de humor, aventura e super-heróis.

Em “Feliz Aniversário”, Vinicius Martins filma um curta em quadrinhos. É meticuloso e original o uso da câmera.

Primeiro ato:
A história começa com um plano interno, detalhe de uma quina de paredes revelando parte dos tijolos de um imóvel não conservado, um conjunto de hachuras irregulares sugere a luz e sombras como mais uma textura caótica no ambiente. Já no primeiro quadrinho somos inundados com o clima da história. Cabe dizer que essa primeira página é toda muda, em silêncio, sem nenhuma placa de texto ou diálogo. O único texto existente que temos é o titulo da história que também é uma informação impar de corrosão e humor negro. O primeiro quadro se destaca na página por que tem uma proporção maior de espaço e dimensão, se diferenciando dos outros quadros que são de exato mesmo tamanho. Se fosse um filme, eu diria que a história começa com uma pan, de movimento sutil, de uma quina de parede até chegar há uma das personagens de “Feliz Aniversário”.
Segundo quadro, aqui não só nos foi apresentado uma personagem, mas um condomínio (metafora para um universo e personagem quase kafkaneano.). A personagem de costas nos revela que está observando para fora da janela à vida, enquanto fuma um cigarro deixando passar o dia (aqui é usado uma técnica de mestre por parte do Vinicius, sem saber quem é essa personagem nós já nos identificamos com ela. Quem aqui não experimentou momentos de voyeurismo?).

Segunda linha de quadros da primeira página (Conjunto de quatro quadros): Mais um raciocínio de gênio pode ser observado com o que vem: Parece que após a indução mágica de identificação com a misteriosa personagem, passamos a ver com os olhos dela uma janela.
Terceira linha de quadros: é onde a textura muda para um clima escuro, hachuras densas nos revelam que há o mal ali.
Quarta linha de quadros: Virando a página o mal (escuro) é soprado para longe e vemos um rosto na janela. Parece que há uma comunicação de olhares entre essa nova personagem e a primeira. Mas essa troca de olhares, ou afinidade não é ordinária, mas um mistério na trama. Fim do que vou chamar de primeiro ato.

Segundo ato:
Quinta linha de quadros: começa o segundo ato. Há uma mudança de enfoque da narrativa com o surgimento de diálogos. Não sabemos muito bem quem fala o que no primeiro quadrinho, da quinta linha.
Segundo quadro: Ainda temos a segunda personagem na mesma posição na janela, mesmo com uma leve mudança na posição da câmera. É nesse, o segundo quadro, que somos apresentados aos novos personagens, um casal, que faz uma mudança, começam viver juntos no mesmo apartamento da segunda personagem (irmão do suposto namorado). Esse segundo ato se sustenta em duas linhas de quadros, formando um total de oito quadros. É aqui onde acompanhamos o principal conflito da história, a segunda personagem é um homem que possui uma rara doença que o faz envelhecer rápido e aparentemente isso também o faz ser tratado de uma maneira isolada e especial. Ser tratado como um deficiente.

Terceiro ato:
Há uma elipse de tempo simbolizada com a janela fechada do segundo apartamento, lar do casal e do homem doente. Essa elipse é peculiar e mais uma das peças de grande originalidade da história. Um quadro, o primeiro quadro da quarta linha de quatro quadros está em silêncio, dando uma margem de respiro entre o ato anterior e o próximo, meticulosa narrativa desenvolve uma sutil mudança de tempo e processo da relação do casal. Agora o Casal vive a densidade das discussões mundanas da rotina, onde a catarse das brigas é o irmão doente. Agora ele é caracterizado como um homem bem mais velho e mais calvo isso reforça o desenvolvimento da doença e a passagem do tempo. Ele ainda não saiu da posição da janela, de ser um observador. O casal briga por isso, o homem doente escuta tudo (ver detalhe: orelha. Quadro 4 da linha 4 de quadros.) resultado disso é uma briga. A mulher é espancada pelo marido. E outra vez, o rosto do irmão doente. Saímos da intimidade desse apartamento pela janela fechada.

Quarto ato:
Em corte seco para o interior do apartamento. Somos apresentados ao centro da trama. Uma ruptura é declarada (monólogo do irmão não doente que explica a condição deles viverem juntos no apartamento). Os irmãos estão no escuro ( revelação do mal). Quase não aparece o irmão doente, quando aparece ele é uma figura em silhueta (ver o quadro 1 da linha dois da terceira página.).

“...e bem...o que eu to querendo te dizer é que... eu não vou mais pode cumprir o trato queu fiz com a nossa mãe...eu não vou podê mais te sustentá...”

Próximo dois quadros com close no irmão não doente, fechando nos olhos expressivos. Eu particularmente sinto curiosidade e culpa nesses olhos. Essa tensão é dada pelo autor sem qualquer uso de texto explicativo. É intensificado e é sugerida essa tensão emocional com a construção dos diálogos que antecedem esse dois planos, e que postergam o fim da cena.

“ É bom vê que tu compreendeu!”

O destino é traçado ao irmão.
É importante ressaltar a ausência da mulher. Sentimos com essa ausência que ela não vive mais ali.

Quinto ato:
Agora quem ocupa o lugar do irmão doente é a mulher, o diálogo no primeiro quadro sugere uma crise de consciência. Mais uma peça preciosa e não casual da história. Uma escolha foi feita entre o irmão e ela ( No fundo, quase como uma sombra o homem diz o tempo em que o irmão já não vive mais lá. Passaram dez anos).
Estão os dois velhos. No terceiro quadro da quarta linha de quadros da página três, o homem segura um objeto, o que eu leio como um espelho. Ele desenvolve o seu histórico com o irmão, reflete que o abandonou e acha que talvez até esse deva estar morto. Morto de velho e o peso da suas próprias vidas em ruínas afloram em seu rosto em corte estranho no quadro.

Sexto ato:
Homem com o jornal na mão mascara o seu rosto. É como o uso de um lençol escondendo as feições de um cadáver. A mulher segue o mesmo truque do marido abafando a sua vida de si mesma enquanto fecha a janela e limpa os vidros. A câmera sai do apartamento e retorna para o primeiro apartamento acompanhado de um estranho som.
Vemos a fotografia de um casal em um porta-retratos sobre uma penteadeira, ou um armário pequeno. Essa fotografia está refletida em uma lente de óculos, o estranho som ainda acompanha o desenvolvimento da cena. O rosto da nossa misteriosa primeira personagem. Ele está com uma corda no pescoço e se enforca. O som é do enforcamento. O suicídio é concluído em um fade até o fim da história.

Quando reli essa hq eu pensei em redesenhar essa obra, mas avaliei melhor e decidi não. Já está tudo lá, ela tá pronta, e se eu fosse fazer, eu só mostraria uma arrogância minha de querer mostrar que o meu desenho é melhor. Que imbecil eu seria. Não acredito nesta escala de valores quando um obra dessa atinge tal intensidade e valor artístico. Carlos Ferreira, seu prepotente. Redesenhar "Feliz Aniversário" seria só passar um verniz em um quadro de Vang Gogh. A magia dessa obra prima tá toda ali. Nada vai tirar isso, ainda me espanta ela ter sido desenhada por um menino de 17 anos. Hoje a garotada de 17 anos não faz mais hqs assim. Quando fazem hqs, querem desenhar mangás e super-heróis. Naquela época não era diferente, mas temos esse exemplo aqui de maestria impulssionada por uma geração mais intelectualizada. Formada por uma geração de autores mais libertos de formulas. Bebiam da fonte das revistas como el Víbora, Cimoc, Fierro, Metal Hurlant, Linus e Animal. Também estavamos todos mais próximo do cinema de autor e da literatura beat e das outras escolas literárias como o realismo fantástico.
Eu li essa hq e no mesmo dia lidei com a morte do meu tio. Essas duas situações se chocaram em mim. Levaram a eu me questionar, rever os meus valores, seguir em frente...

Vinicius Martins, o Vinz, ainda desenha quadrinhos. Recentemente ele fez uma série chamada Dêmonios na Cozinha, que é inédita e bem divertida. Eu li. Ele tem outras hqs curtas, ótimas! Mas o cara está um pouco recluso, abandonou o mundo, se dedica a música eletrônica industrial em sua caverna, já é um senhor e pai de família. Um puta artista que faz diferença e falta com as suas garatujas de gênio. Vale descobrir!