domingo, 11 de janeiro de 2009

Pecador, um conto de Wilson Costa

Primeiro havia o nada. E então surgiu, como música. De repente, havia o universo. Da poeira cósmica surgiram os planetas, asteróides, luas, estrelas, supernovas, galáxias, anãs e gigantes, e sóis e nove planetas se agruparam solitários numa dança metódica e sem sentido ao redor de uma estrela amarela e aconchegante.
Ó Pecador, aonde vai se esconder?
A lua cobre o sol e homens em cima de pirâmides falam o que querem porque podem, vestidos em pele de bicho e pintados em sangue humano, máscaras de cerâmica, penugens e facões, desentranham homem e bezerro e oferecem o coração ao garoto retardado com rubis no pescoço.
O planeta gira.
Estamos entrando na era de Aquário.
Um símbolo para a todos definir.
Um anel dourado e nós giramos nele e há estrelas desenhadas para mostrar o que queremos e tememos e dominamos a arte de dar nomes ao movimento do caos.
Caros leitores, esse é o ano do Fim do Mundo.

Jacó saiu de casa para trazer comida para sua família. Beijou a mulher, as filhas, e partiu para a colheita. Haviam dois caminhos. O da direita levava para a plantação. O da esquerda, para as montanhas. Naquele dia, Jacó escolheu diferente. Depois das montanhas, diziam, havia o mar. Jacó ansiava em vê-lo, sonhava com as histórias que ouvia sobre sua brilhante e perversa extensão azul infinita. Jacó caminhou e caminhou e caminhou e só havia ao seu redor o deserto. Em desespero, chamou seu Deus.
Sozinho, sentiu medo.
Encontrou uma pedra e lhe pediu abrigo.
Por favor, Pedra, preciso de ti.
Eu não posso te esconder, respondeu a pedra.
Jacó a pegou do chão e guardou em sua sacola. E tudo mais que encontrava, tomava para si, graveto, folha, bicho, caixa, metal, papel, madeira, lã, até que não agüentasse mais o peso e jogasse tudo no chão e visse seu próprio reflexo num espelho roubado, sujo, barbudo, doente. Jacó correu. Mas as coisas que deixava pelo caminho não lhe deixavam e de todo seu corpo brotavam coisas estranhas e coisas prateadas voavam nos ares e cruzavam o chão. A terra toda tremia.
Um grande furacão negro ergue-se no horizonte sobre o campo de batalha. Jogando aos ares vivos e mortos. O homem sobe nos cadáveres e dispara sua flecha rumo ao desconhecido.
O corpo abre-se. Músculos, ossos, nervos, tecido, dando lugar ao olho de fogo.
A voz que não te conhece vende harmonia.
Cruzes vermelhas marcham no deserto. Sob elas, armaduras. Sob elas, homem, espada, cavalo, escudo, bandeira, bíblia.
Abram esse portão agora mesmo!, grita o Bispo.
A recompensa divina é paga na taverna, com todas as filhas dos fazendeiros.
Homens ferozes como bestas, senhor! Eles estão chegando.
Os elefantes anunciam.
Ornados em ouro e couro. Colares de orelhas, cabeças como coroas.
Por Alá!
E todo o inferno segue.
No deserto, um cogumelo desabrocha com a força de dez mil toneladas de dinamite.
Poder!, gritam os fiéis.
Poder!, anuncia o Pastor.
Aviões deixam uma bomba na porta de sua casa. A televisão mostra os fogos de artifício. Destruição da mais alta definição. A cruz brilha verde no monitor. Uma cidade inteira bombardeada vinte e quatro horas por dia via cabo. Algo dá errado, a loirinha com o microfone se mija. A orquestra segue. As portas se abrem e os mísseis são despejados. Fogo!, grita o Comandante. Jimmy! É sua vez! O pobre Jimmy pensa em sua fazenda no Alabama, em seu pai alcoólatra, sua mãe adúltera, sua irmã puta. Aperta a alça da mochila e salta. O páraquedas não abre. Canhões anti-aéreos são disparados no deserto e a terra estremece. Um prédio desaba com o toque de um botão. Um homem é queimado vivo. Outra bomba explode. A casa é desintegrada em câmera lenta. Metralhadoras giram. O inferno nunca se farta. O futuro é um cogumelo vermelho, diz o japonês cego. Um furacão extermina metade da costa da Flórida. Ondas gigantes varrem pessoas do mapa. Ventos levam telhados e árvores são arrancadas do chão por máquinas grandes e amarelas. Senhor!, clama Jacó. Não vê que preciso de ti, Senhor? Temos a ordem? Temos a ordem. Disparar. Vejam só isso! É lindo! As explosões continuam. Navios levam espécies para o esquecimento. Troncos empilhados, corpos contados. Esse é o Novo Mundo! Em seu seio apodrecido a mãe moribunda carrega o infante morto. Crianças africanas brincam em frente à câmera. A mais magrinha senta no canto. Ela parece realmente doente, vamos deixá-la de fora. Tendas brancas se estendem sobre a terra negra. Um homem carrega seu carrinho de mão ao lado do tanque de guerra. O relógio gira. O ponteiro conta o tempo perdido, o bolso, o vendido. O jato prepara-se para decolar. A criança com cinzas no rosto sorri para a câmera. Os navios disparam seus canhões uns contra os outros. Cuidado! Olhe atrás de você, grita a repórter desesperada, mas criança não falava sua língua. Imagens inéditas do centro de Bagdá, declarada atualmente em estado de guerra civil. Os botões mudam a voz, a mensagem é a mesma. Entre comerciais, rostos estrangeiros, amedrontados e subjugados, entretenimento de destruição em massa. Mais uma bomba explode ao lado da rua. Dessa vez eram sete os samurais da estação. Helicópteros sobrevoam o local. Um soldado tampa o ouvido. O outro cai no chão e é espancado por cinco militares fardados. A situação, responde o General, será investigada. Pausa para os comerciais. Em 1942, a Alemanha jogava bombas em Londres. Bombas caiam no Oceano Pacífico. Vendo da janela de seu B52 a nuvem de fogo engolir uma floresta inteira, Tom Hardigan surpreende-se assobiando a música tema de I’m Singing in the Rain, com Gene Kelly. Outra bomba explode errado. Cadê o Johnny? Ele estava lá dentro? Puta que pariu! Johnny aparece, em um só pé, carregando uma perna amputada nas mãos. Mas Johnny, essa perna não é a sua! A televisão cai em gargalhadas. Ainda hoje Johnny sonha que nada em um mar de mortos. A velha índia cobre o rosto em vergonha. Corpos estirados na sarjeta. Uma árvore cai. Macacos gritam enjaulados. O animal da televisão é sempre mais bonito que o seu. Milhares de árvores caem, metodicamente. Computadores supervisionam a diagramação da terra. A mata queima e o pequeno Tommy se mija por nunca ter visto nada tão bonito quanto aquilo. Campos de fumaça. Tocos negros destacando-se de seus pulmões. Mais um deserto. A foto de um macaco morto. Várias fotos de vários macacos mortos. A terra é cultivada em veneno e as mãos da modelo vendem o grão da soja. As fornalhas seguem acesas. O país registrou no último ano um índice recorde na emissão de gás carbônico. As geleiras caem, solitárias, do outro lado da televisão. A cidade encoberta em fumaça. Torres negras no horizonte. Outra geleira cai. Um outro furacão. Os ventos sacodem as paredes da casa com violência. Carros são arrastados na enchente. Carros se arrastam nas rodovias. Ciclones solitários no horizonte. Meu Deus! Você viu aquilo? A floresta inteira simplesmente desabou! A repórter sorri como uma criança. As grandes antenas viradas para o céu. O planeta gira. Em 2001, alguém joga um avião em um prédio nos Estados Unidos. O repórter é pego de surpresa. Meu Deus! Você viu aquilo? O avião bate no prédio agora de outro ângulo. Torres em chamas no horizonte. Pessoas brancas de medo e pó correm nas ruas. Pessoas caem. Mais bombas são disparadas. Outros prédios explodem. Mais pessoas caem, desmembradas, baleadas, explodidas, prisioneiras, torturadas. Em sua dança metódica, o exército treina para o desfile na garagem de tanques. Tropas no gramado. Máscaras de gás. Balas de borracha. Escudos blindados. Eles marcham. São apenas estudantes, chora o pai desconsolado. A fumaça das bombas preenche toda a praça. Um helicóptero sobrevoa. Um garoto arremessa a bomba de volta, uma garota cai no chão. Segurem ela! Rápido! Ó Senhor, dai-me forças. Me ajudem, aqui! Segurem ela! Por favor, Senhor, torne-me forte. O que ela está fazendo aqui? Tirem aquela câmera daqui! Me larguem! Cala a boca! É só um capuz preto. São todos farda preta. Está tudo bem. A arma está apontada. Vai ficar tudo bem. Por favor, Senhor! Mas a garota continua se mexendo. O Custo da Liberdade em cores bonitas diz a televisão. Faça Dinheiro agora! O Mercado essa manhã foi agitado, Thomas. Eu diria que em manhãs como essa, Colin, eu prefiro não sair da cama. Computadores diagramam nosso campo de visão. A televisão é Paris Hilton por um instante, sorrindo sua nova marca de batons sobre a cotação do dia. O Senhor fala: Criança, onde esteve quando deveria estar rezando? A televisão oferece sexo em troca de dormência a Joe Wake que morre engasgado com cachorro quente e a mão dentro das calças assistindo a um comercial de cerveja. Senhor, ouça-me rezando! A nação está em choque. Seios à venda. Poder!, clamam os fiéis. A massa de soldados marcha sob o estandarte da cruz negra. O Senhor diz: Pecador, você devia estar rezando. A nação está em guerra. Em 1944, judeus mortos e nus são empilhados em Auschwitz. Em 2006, árabes vivos e nus são empilhados em Abu Ghraib. A câmera mostra, mas ninguém mais vê, ninguém mais liga para ver desenho animado porque lá só vendem brinquedos. Você devia estar rezando, Pecador... Mais uma bomba explodiu... mas no outro canal falaram antes... outra denúncia de tortura... é possível ver ao fundo as bombas caindo... tornou-se um fenômeno, estão todos assistindo... computadores diagramam os mortos e feridos... somente uma Democracia permite essa liberdade de transmissão... o Senador vende seu voto no sorriso... as garotas dançam... e o prêmio vai para... foi vista fazendo topless em... o melhor exercício para o corpo... a pele vende a guerra... distração... a guerra paga em pele... macacos dançam... é tudo muito colorido... vai ficar tudo bem... soldados dançam... a música é bonita... vai ficar tudo bem... um carro atropela uma criança... a perseguição continua... o nome do país soletrado em uniforme marcha... o homem observa... Poder!, clama Jacó... armas em riste, bandeiras ao vento, câmeras a postos... Poder!, o deserto ecoa de volta... a segurança vende o petróleo... a confusão continua enquanto a polícia mantém a ordem... o canto de uma velha negra é ouvido... a perseguição continua... outra bomba... os policiais mantêm a multidão afastada com mangueiras... o vigia observa do alto da torre... mãos preguiçosas penduradas entre as grades... homens de terno saem pela porta dos fundos... sim, senhor, não, senhor... precisamos nos unir nesse período de medo... precisamos manter o controle... os jatos decolam... o futuro é simples... não sabe, senhor?... a simplicidade de uma maçã de plástico... os lábios vendem o veneno... não sabe que preciso de ti, senhor?... perca peso agora sem sair do sofá... viva sem culpa... a garota sorri... os computadores diagramam o rosto da televisão... rostos repetidos nas esquinas... não sabe que preciso de ti, senhor?... a televisão dança... a música ordena... cabelos ao vento em câmera lenta... o que falta em sua vida?... não vê, senhor?... todos os bonecos se vestem melhor... os botões mudam o produto, o sorriso é o mesmo... estamos à venda... o que falta para sentir-se perfeito?... a mulher geme... senhor!, clama Jacó de joelhos... uma sombra encobre o sol... recebemos um comunicado urgente... interrompemos a programação... um comunicado oficial... ignorante e implacável, a pedra rola... um grande meteorito... no escuro, Jacó chama por seu senhor... computadores diagramam o fim do mundo... ninguém mais sabe o que dizer... um pedaço de pedra atinge o planeta... a televisão chora... ninguém mais escuta... fiquem com Deus... a dança é interrompida... tudo é devastado... agora, há somente um imenso mar de fogo.
Procure o Diabo, respondeu o Senhor.
Procure o Diabo.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Ego

Entro no meu prédio. Um bafo. Abro a caixa do correio. Uma correspondência sem o nome do remetente. Mais um objeto na casa. Não quero abrir o pacote. A fome vai morrer antes do mistério. Quem mandou essa merda? Só cebola e miojo na cozinha. Bebo um copo dágua antes de cozinhar. A vontade era de beber gelada, mas estou sem gelo na geladeira. Calor nojento! Tô suando no saco. Já fedo a velho. Antes de comer, o banho. A água desce fria, mas esquenta. Tudo aqui é quente. Verão inferno! Não me seco, eu cozinho pelado. Rango pronto em seis minutos. Vou pra sala. Abro o pacote. Encontro fotografias de eu entrando no prédio, abrindo a caixa de correio, uma correspondência na minha mão, envelope sem remetente, eu entrando em casa, eu na cozinha, o banho, eu comendo, abrindo o pacote, o maço de fotografias, eu olhando tudo outra vez.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Battlestar Galactica


As primeiras páginas de quadrinhos que eu desenhei na minha adolescência eram de ficção científica, inspiradas em um seriado de tevê chamado Battlestar Galactica. Desde os meus oito anos, após eu avistar luzes estranhas no céu noturno, eu virei obcecado pela a ideia de vida inteligente fora da terra e disco voadores. E com essa temática explorada na animação, nos filmes e séries de tevê eu não podia parar de desenhar naves espaciais, robôs e o espaço. Na minha infância, as minhas brincadeiras nas tardes eram explorações espaciais em naves mães construídas com caixas de sapatos para os meus playmobil enquanto a minha cama, com os cobertores torcidos, servia como cenário de planetas selvagens. Eu falo de uma época onde eu ainda não era fã dos quadrinhos, apesar de curiosamente desenhar muito, principalmente quadrinhos, mas se não fosse essa bagagem das brincadeiras e a curiosidade sobre o que existe no cosmos, hoje, tenho certeza que eu não seria um quadrinhista.
Sim, eu quase não faço, ou não faço ficção cientifica nos quadrinhos, mas de certa forma os conceitos metafísicos que tanto persigo na minha ficção tem origem nessa época onde o meu alimento era sci-fi.
Eu lembro que eu assisti o piloto da Galactica na casa dos meus avós em um domingo no início dos anos oitenta. Lembro que as propagandas que antecediam a exibição do piloto tinham aguçado a minha curiosidade com os vipers cortando o espaço para combates contra os cylons em defesa da astronave mãe Galactica. Cada vez que eu assistia aquilo os meus olhos pulavam famintos para tevê e eram alimentados por 30 segundos. Eu queria mais e contava os dias para assistir. Quando chegou à hora de exibição no domingo eu contagiei toda a minha família com o seriado. Acompanhamos a devastação do planeta Kobol e a cidade Cáprica, a aniquilação das doze colônias planetárias por uma raça de seres cibernéticos chamados Cylons, esses são descendentes de uma misteriosa cultura alienígena dos extintos répteis. Pós a chacina, os sobreviventes humanos fogem em naves capitaneadas pela nave de combate Galactica em busca de uma lendária décima terceira colônia, um planeta descrito em textos religiosos, um planeta chamado Terra. Essa mitologia, inspirada no livro Eram Deuses Astronautas, de Erik Von Daniken (onde é teorizado que a Terra pode ser uma colônia de um povo extraterrestre, onde nós, humanos, somos apresentados como uma colônia esquecida de uma civilização mais avançada em cultura e tecnologia), simplesmente trouxe uma perspectiva de vida, uma visão expansiva e muita alegria em um garoto de 10 anos que dedicava as suas horas mirando os mistérios do céu noturno. A partir dali fui capturado de vez pelo poder de contar histórias e por mitologia, na época isso não era tão claro para mim, mas a magia do espaço foi o que trouxe a força da energia criadora que eu uso até hoje. De querer entender de como tudo funciona. Ver a invisibilidade do universo, querer respostas sobre a nossa origem e destino.

Fui um garoto afortunado com essa sede de mistérios, por não ser cético e com imaginação fértil. Sou de famílias com ligações exóticas nas religiões, verdadeiras saladas místicas. Onde meu avô materno e a minha mãe assumem raízes em diversas religiões, e se dizem místicos e médiuns. Para mim, as religiões possuem diversas esferas e entre essas esferas há defeitos como o fanatismo e o poder de provocar discórdias e guerras. Hoje me considero um ateu, cético, mas não paro de questionar, também, contraditoriamente do que digo e afirmo aqui como a minha perspectiva de ateu, eu vou meio que decifrando códigos de profunda religiosidade em meu trabalho. Também penso que enquanto vou envelhecendo, vou experimentando a falta de sentido em determinar um sentido ou conclusão do que é a existência e a realidade.
Quando criança, eu literalmente perdia a noção do tempo nas noites de verão passando horas e horas deitado nas gangorras das praças do condomínio que eu morava, não tinha lugar melhor para ver as estrelas. Outras vezes passava as madrugadas na janela do meu quarto (eu morava no nono andar e a vista era de uma panorâmica para muitos universos e vidas). Eu sempre quis ver a terra lá de cima. Ter a magnitude e a experiência de lugares ainda não explorados pela vida terrena. Meus amigos eram mais preocupados com o futebol e me consideravam estranho esquisito ou louco por não gostar de jogar bola. Meu apelido era Nego Ufo, General Urko e outros. Isso não me ofendia, sempre fui indiferente a isso e busquei a minha turma. Ainda busco o meu lugar no universo, enquanto escrevo aqui diversas lembranças passam na minha cabeça e amarras vão se soltando. Entre essas amarras vou tirando novas conclusões sobre eu ser cético. Bom, senhores, eu deixo em parte o ceticismo, porque acredito que ceticismo é outra forma de fanatismo, eu não posso concluir que a vida acaba aqui, não posso dizer que não há uma extensão da vida após a morte, literalmente eu não posso concluir isso, como também eu não posso afirmar o contrário. Não posso dizer que a vida continua. Ninguém pode. Quem conclui qualquer uma dessas contraditórias definições está expressando a sua visão de fé sobre a vida e a morte. E fé é ilógico. Ou alógico. Fé, para mim, se confunde com fanatismo por que já vi tantos homens e mulheres de fé com certezas divinas fracassarem em visões limitadas e ilusórias da vida. E também ouvi argumentos de descrenças ateístas sem profundas veracidades por que são conceitos de coerências e poder, mas limitados na experiência do que enxergam e concluem disso. Essas lógicas ateístas que carrego em mim, são visões de outros, escritores, artistas e cientistas, intelectuais, amigos, conhecidos, o que li, ou ouvi ali e acolá. São discursos expressados, visões de mundo, utopias, mas não são regras infalíveis ou exatas, não funcionam como realidade, por que, na minha opinião, a nossa realidade é de realismo mágico, um universo ainda não pronto. Sim, essa é uma das visões que tenho sobre o universo, ele ainda está nascendo, em fase de crescimento e se expande. O que tu e eu imaginamos da vida, cosmos e a realidade, são coisas diferentes, coisas únicas, por experiência e perspectivas de vida diferentes. Mas nossas imaginações fazem parte também do universo, e para o cosmos o que existe, o que é criado faz parte do seu tecido em expansão.
Para o todo não há linha que separe, não há individuo, não há egos que realmente são prioridades. Não há cultura ou religião. Há uma força criadora. Ultra super sobre intangível invisível imperceptível atemporal para nós. A energia, a velocidade, ação e reação, a matemática pura dança a contradição de ser e não ser sob e sobre os nossos átomos. Esqueçam a carne. Enxerga os teus átomos! No fundo somos isso: números conscientes e vazios. Onde existe uma matemática abstrata, onde inexiste o julgamento do que é real. Se tu duvidas, olha a tua volta. Traduza o que vê, traduza o que não vê. Veja a verdade sobre a natureza. São espelhos?

Vinte cinco anos depois de acompanhar o seriado Battlestar Galactica, que durou apenas uma temporada e meia, eu já não lembro mais dos episódios que eu assiti fora um ou outro. Eu já não seria mais facilmente seduzido pelas imagens dessa série, acredito que eu acharia até ingênuas muitas cenas e episódios. Mas dentro do meu imaginário essa série tem força mítica. Quando eu soube que haveria uma nova série derivada, uma nova leitura de Battlestar Galactica eu fiquei curioso para assistir. Principalmente quando eu soube que Bryan Singer estaria envolvido. Eu soube depois que esse envolvimento não ocorreu. Mas fui fisgado pelo retorno de Galactica, e quando finalmente eu tive a oportunidade de ver essa nova série... Fui surpreendido com o texto dessa releitura.
Apesar de o argumento ser o mesmo, a história é revisitada e aprofundada em conceitos metafísicos que são de tirar o meu sono em episódios que eu assisto (Estou aqui em uma rara madrugada gelada de janeiro escrevendo sobre idéias que circulam na minha cabeça sobre como eu posso dizer e sugerir as pessoas de buscarem um espaço em suas vidas e assistirem essa série.). É um evento. Provocadora e inteligente. De subtextos e visões do que existe de real e mágico na ficção cientifica e na nossa realidade. Galactica é política, ecoa o 11 de setembro em seus pixels, vomita verdades sobre a invasão do Iraque, expõe a nossa atual corrida extrema contra um colapso final. Galactica provoca trocas de perspectivas e nos avisa sobre o caminho provável que a humanidade venha a seguir. A série argumenta o que somos com o futuro desenvolvimento da Inteligência Artificial.
Diferente da versão original, os cylons são criados pelos homens e essas máquinas se revoltam contra os homens por serem subestimados por seus criadores. São tratados como máquinas escravas e não como seres, ou indivíduos. Os cylons são como os replicantes de Blade Runner, mas não são mortais, não vivem só seis anos como os Nexus 6. Os cylons são imortais, quando os seus corpos são destruídos as suas consciências digitais, os seus dados, bancos de memórias transmigram para um novo corpo. Por serem frutos da criação humana eles identificam o criador como Deus. Mas para eles o homem não é Deus, mas um veículo para a evolução das espécies propagarem na forma perfeita o espelho de Deus. Os cylons se voltaram contra humanidade e por 40 anos desapareceram após provocar uma guerra contra os homens. Retornam evoluídos imitando a forma humana, se infiltram entre os homens em doze modelos. Onde partes desses modelos são agentes que não sabem ser máquinas, acreditam ser homens e em determinado tempo o programa do despertar é acionado e as suas verdadeiras missões são colocadas à prova. É aqui que aparece um dos melhores enfoques da série por que não sabemos quem é o quê. Muitas das personagens que eram humanas se descobrem máquinas, cylons, e as suas vidas entram em crise com a programação e vencer a programação talvez seja possível e o livre arbítrio é dado individualmente à máquina, que após ter experimentado ser um homem; sentir, raciocinar, amar e temer provoca uma releitura sobre a própria existência e seus conceitos sobre o que é vida. Os cylons não param de questionar e a filosofar sobre verdade e mostram questionamentos muito humanos. Ou questionamentos que muitos humanos reais deviam ter, ao invés de visitar shoppings entre outras coisas da era da globalização, ou ver as telenovelas globais ditas verdades reais da vida.
Outra coisa que chama a minha a atenção na nova Galactica é a forma que a humanidade é retratada. Homens e mulheres vivem em igualdades em uma sociedade sem preconceitos, ou hierarquias sexuais. Uma das melhores mudanças no argumento original é Starbuk. Ela é uma das personagens que na primeira versão era um homem e agora é uma mulher. Mas Starbuck tem a mesma personalidade da personagem original. Ela bebe, fuma charutos, uma cafajeste com os homens, segue a tradição hard-boleid, é durona e boa de briga. É um John Wayne sem deixar de ser uma bela mulher. Uma versão Sonja do futuro.
Essa igualdade só entre humanos. Só humanos. Não significa que com as máquinas não somos os mesmos, arrogantes, racistas, assassinos e podres. Vejo que a revolta das máquinas não é o clichê da conquista do universo, mas uma estratégia de defesa contra a nossa condição no universo. Somos seres de difícil convivência e as máquinas sabem e se encaminham para o nosso extermínio. Talvez o nosso fim tenha algum significado maior. Talvez seja útil, um elo novo. Há uma atmosfera com algo há mais, que me faz prever uma presença sobrenatural como os monólitos negros do filme 2001, a verdadeira razão para a morte da raça humana ainda está em aberto, os cylons filosofam, os humanos são mais instintivos, passam a viver a provável extinção. Estão mais bichos. São mais brutos agressivos, tendo que viver limitados ao interior de naves e com provisões incertas de comida, água e combustível no infinito espaço sideral. Para não cair no caos puro ainda são mantidas as leis e políticas sociais. Há uma presidente que trata da ordem civil e um comandante que tomas as decisões militares. Notei a falta da religião como um poder e a presença de um agente do terror. Considerando a série uma fábula, eu percebo o declínio do poder da Igreja e o avanço do terror como um fundamentalismo religioso, um novo poder instalado na humanidade.
Eu acho importante ver essa faceta da humanidade em um mundo que supostamente é mais desenvolvido em tecnologia, onde supostamente a humanidade já dominou o seu útero planeta e conquista novas perspectivas no cosmos. É justamente no avanço que caímos, quando finalmente criamos seres cibernéticos de inteligência equivalente e superior a nossa, nós nos deparamos com a nossa possível extinção. E o caminho que conduz a sobrevivência da humanidade na série, é a jornada ao desconhecido, ao primitivo e aos primeiros ensaios religiosos sobre o celestial, o cosmos. A humanidade perdida busca a Terra em naves que são sucatas e despreparadas para as jornadas intergalácticas. São menos de 50.000 sobreviventes que fogem da raça dos cylons armados em avançadas naves mães de combates e caças (versões de inteligências artificiais, uma espécie dos cylons, lembram os tubarões brancos, ou raias de um só olho vermelho, ciclopes), máquinas de matar que desligam toda a nova tecnologia da humanidade, colocando um vírus nos computadores conectados em rede.
A tecnologia da Galactica é uma exceção. A astronave de combate não estava em rede com as outras astronaves de combate, não estava conectada a moderna tecnologia que operava com a central de defesa das doze colônias e foi destruída. William Adama desconfiava das facilidades impostas da moderna tecnologia e ordenou a ausência da rede em sua nave. Ele acreditava que as naves em rede possuíam falhas para o inimigo. O Comandante Adama não se adapta as novas tecnologias e deixando na velha nave de combate Galactica apenas os velhos computadores e sucatas como maquinários.
No piloto a nave seria desativada para ser palco de um museu, com vários vipers, caças antigos que são réplicas dos vipers da primeira versão do seriado, estão aproado na Galáctica, que é uma nave inspirada nos nossos porta aviões. Por não fazer parte das redes de computadores essa nave não é destruída pelo vírus cylon que invade a rede de defesa humana capitaneada no Planeta Cápicra. Mas seus caças vipers de última geração são alvos fáceis para o cylons, são desligados e abatidos.
O vírus é instalado na rede pela cylon Six. Ela torna-se amante do criador da rede defesa, Gaius Baltar, o melhor personagem da série, em minha opinião. Corrupto, fraco, covarde, canalha, tudo de bom! Às vezes tenho a leitura dele ser a personagem principal da série com os seus devaneios e loucuras. Não há personagem mais humano.
Outro ponto de força na série é o peso que o sexo tem nas personagens sendo humanos ou cylons eles estão intensos, amantes na guerra. Há sexo entre cylons, entre humanos e entre cylons e humanos.

Em alguns momentos enquanto assisto eu lembro dos filmes que são referências no processo criativo da série, se vê um pouco de Blade Runner, Inteligência Artificial, Jornada nas Estrelas, 2001, Alien, Matrix e outras referências que não são muito obvias com Apocalipse Now, Baraka, Kwaidan, Navigator e Solaris e Planeta dos Macacos. Sim, a série lembra essa obra prima da ficção cientifica, eu não falo do remaker do Tim Burton, eu falo da série cinematográfica clássica. Eu cheguei nessa conclusão quando assisti o décimo episódio da quarta temporada. Puta-que-pariu! Eu cheguei a perder o sono depois que assisti esse episódio, foi exatamente a mesma sensação que eu tive quando eu assisti ao primeiro filme de os Planetas dos Macacos. Mas já estou falando demais aqui...
A trilha sonora é outra coisa que faz o queixo cair. Ritmos de percussão em atabaques mapeiam diversos sons e culturas desde africanas, japonesas, islâmicas e celtas isso dá mais peso a mítica da série. E até Jimmy Hendrix é registrado, eu lembrei de Moebius quando ouvi All Long the Watchtower invadir uma das melhores cenas da série .
Acho que vou sair daqui do estúdio, vou me estirar no sofá da sala para rever o piloto da Battlestar Galactica. Quem sabe, depois retorno ao estúdio e desenho minha primeira hq de ficção cientifica, ou vou até o condomínio onde passei a minha infância mirar o céu em uma gangorra.
No dia 16 de janeiro começa a ser exibido nos EUA os últimos doze episódios da quarta temporada. A série depois disso acaba. Já ouvi comentários de quem participou da produção da série que o final é...