A questão trabalhista sobre a profissão “quadrinhista” é bem complicada. É complicada por que como profissão é legalmente inexistente no Brasil. Fazer quadrinhos é uma atividade não regulamentada. Se qualquer um que tem a intenção profissional de exercer essa atividade, em solo nacional, tem que ter muito cuidado, pois todos que executam essa atividade de forma “supostamente” legal estão ilegais.
Isso quer dizer que se cada um de nós for ao ministério do trabalho e apresentar a sua profissão como quadrinhista o resultado vai ser profissão inexistente. E se é uma profissão inexistente, toda a sua atividade pode ser considerada inexistente. Qualquer criança que sonhou um dia em ser médico tem a medicina como uma profissão regulamentada. Essa criança dedicou parte da sua vida para esse sonho e a sua profissão é reconhecido legalmente como médico. Mas aquela criança que sonhou, ou sonha, em ser um quadrinhista e passou horas e horas, dias e dias, meses e meses, anos e anos, lendo quadrinhos, aprendendo a estrutura da narrativa, buscou a essência dos quadrinhos nas outras artes como literatura, arquitetura, artes plásticas e cinema. Se essa criança sonhou, ou sonha, em um dia ser um profissional, um “quadrinhista” ela ainda vai envelhecer, morrer e continuar sonhando. Por que a nossa sonhada profissão não existe! Somos marginais! Sobrevivemos às margens ocultas de um sistema.
Se o caso é esse sobre os profissionais dos quadrinhos do Brasil, qual seria o caso sobre os estúdios de quadrinhos brasileiros? É ainda pior...
Como defender os seus direitos profissionais?
Bom, acredito que a primeira coisa a fazer é ir até o ministério do trabalho e buscar o setor para informações e se apresentar como artista. Artista é uma profissão regulamentada. No meu caso, sou artista-diretor cinematográfico. Sou afiliado a Aptc- associação profissional de técnicos cinematográficos. Também sou sócio fundador da Grafar- grafistas associados do Rio grande do Sul, mas essa associação ainda está em processo de ser regulamentada.
Façam os seus registros como artista-desenhista, artista-roteirista, artista-escritor e ou artista-cinematográfico. Filiem-se as associações regulamentadas para defenderem os seus direitos profissionais. Talvez, os mais jovens pensem como são chatas tais burocracias, mas sem essas o universo quadrinhistico será uma grande dor de cabeça. Precisamos nos regulamentar. Ver como será possível ter o quadrinhista como uma profissão regulamentada.
Por enquanto, quadrinhista é uma atividade artística, ou um termo para quem é fã de quadrinhos, mais especificamente, para quem é colecionador. Como uma atividade artística, o quadrinhista, desenha páginas de uma expressão artística chamada história em quadrinhos. Pode ser definida como atividade artística de ilustração. Quem desenha uma página em quadrinhos, se quer ter uma profissão definida por lei, ter um registro profissional, pode ter como artista-desenhista.
Por que é tão importante um registro profissional como quadrinhista? Para que serve?
É simples: através do registro profissional podemos ter a nossa carteira de trabalho assinada pelo empregador e ter os nossos direitos segurados. Direitos como salários, fundo de garantia, aposentadoria, férias, décimo terceiro salário, seguro desemprego, plano de saúde, vale transporte, vale alimentação e etc...
Hoje o que algumas empresas fazem é persuadir o artista que tem como atividade desenhar páginas de quadrinhos. As empresas persuadem a esse artista a não ter um vinculo empregatício, desvinculando a empresa das obrigações básicas. Essas empresas alegam que não tem estrutura para assinar as carteiras, que o trabalhador iria ganhar menos dinheiro e a melhor forma de negociar uma proposta de trabalho é criando uma relação autônoma. Elas exigem do trabalhador essa informalidade. Tudo em um tom entre amigos. Isso quando elas falam sobre carteira de trabalho, ou emprego. Algumas já profissionais da falcatrua já arrombam impondo o trabalhador a condição free-lancer.
Não há nada errado em ser free-lance, mas cada profissional que dedica seu trabalho prestando horas diárias do seu tempo dentro de uma empresa por mais de seis horas diárias, por mais de três meses, não é um free-lance. Por lei já existe um vinculo empregatício. E seus direitos como empregado já podem ser reclamados e uma empresa assim já pode ser denunciada no ministério do trabalho e na receita federal. Qualquer cidadão pode denunciar esse ato ilícito.
As relações de free-lance e empresas precisam ser negociadas em contrato por trabalho. O melhor seria ter esse contrato assessorado e acompanhado por advogados de ambas as partes. Isso seria o modelo ideal. E pode parecer uma utopia minha, mas é mais fácil e prático que todos os interessados imaginam. Existem juizados de pequenas causas que são locais que podem assessorar qualquer um interessado, sem gastar rios de dinheiro. Custos mínimos como passagem de ônibus, xérox de documentos, autenticação dos documentos etc... É barbada! Qualquer desvio do contrato basta consultar esse documento, o contrato, e o desvio é segurado por lei. Contratos de boca-boca é beijo! Isso acaba em foda.
Uma relação de trabalho precisa ser documentada, faz parte do profissionalismo. Para alguns, pode parecer uma perda de tempo, mas, amigo, se fores te vincular nas viciosas relações já existentes, passados os anos tu vais sentir que perdeste o teu tempo. Que fostes um zé ninguém e o contratante, suposto empregador se deu bem! Viajou pelo mundo com parte da tua grana paga no “agenciamento”, no “desvinculo empregatício” e fez novos contatos e novos contratos para a empresa e por mais que o seu nome saia nos créditos... É a empresa e o empresário que está lá no altar gringo enchendo o ego. E tu será um zé ninguém colaborador. Foi isso o que aconteceu com uma pá de grandes desenhistas e mestres artistas. O santo Mottini lá no céu é prova e lenda que a miséria é a lei da gravidade para os artistas que não cuidam dos seus direitos.
Cuidemos-nos das cobras, senhores!
7 comentários:
Qual o grande problema da informalidade? Não estar cadastrado e fichado por um modelo político e não dever satisfação alguma a ele? Liberdade para dizer o que der na telha e se organizar como bem entender?
Não é preciso se "vincular às viciosas relações já existentes", basta ser criativo e não fazer desse ofício só mais um papel no espetáculo.
Pra mim o que você reivindica é o "direito" de ser explorado, equiparado por leis e juizes.
A informalidade é uma forma de organização social muito mais orgânica, que aparenta ser desestruturada por não possuir mecanismos artificiais de massificação, como leis. Essa aparente desorganização vem muito mais da sua diversidade e de sua insubmissão a autoridade.
Caro Saulo,
releia o que escrevi para entender o problema melhor. Não estou aqui defendendo governo nenhum, mas defendendo os direitos de uma classe marginalizada.
Se o caso é dizer que as leis não servem, então é dizer que podíamos todos roubar, assassinar, estuprar e seríamos anarquistas?
O que estou dizendo aqui é que precisamos reevindicar os nossos direitos e respeito como trabalhadores.
Depois de termos uma representação oficial sobre os nossos direitos é que podemos mudar o que está podre nos outros sistemas sociais. Senão, não existimos como classe trabalhadora.
Carlos,
Já passei pelo seu blog antes e deixei o comentário sobre a identidade visual do mesmo.
A respeito desse post, concordo com o que você disse sobre os vínculos trabalhistas e principalmente o fato do "profissional de quadrinhos" ser uma profissão marginalizada, como exemplo a minha própria pessoa:
Sempre desenhei e li quadrinhos desde pequeno, com o sonho de me tornar desenhista de quadrinhos.
Aos 13/14 anos, estudei na Quanta Academia de Artes, onde conheci artistas fantásticos como Cariello, Marcelo Campos, Caribé, Greg Tochini e fui aluno de uma das ultimas turmas de Ivan Reis, antes dele não ter mais tempo para dar aulas. Os anos estudando na Quanta só alimentaram mais a minha vontade de me tornar um quadrinista, porém, todos sabemos das dificuldades desse mercado.
Hoje, com 20 anos, faço faculdade de Publicidade e decidi definitivamente seguir a carreira publicitária, como Diretor de Arte e Ilustrador publicitário.
Primeiro pelo motivo que me apaixonei pela publicidade e design e segundo por que o mercado de HQ nunca me proporcionaria o retorno financeiro como o mercado publicitário.
A ilustração de hq, propriamente dita, virou um hobby, um lazer, e hoje não tenho aspirações de entrar nesse mercado e "viver as custas dele".
Quem sabe num mundo utópico, onde o profissional de quadrinhos fosse respeitado e recebesse o retorno financeiro que merece (porque convenhamos, nós, desenhistas, trabalhamos e estudamos muito pra ganhar miséria), eu não teria continuado com as hqs?
Grande abraço,
Caio
Carlos, tu tá me assustando...
Caio,
fico muito feliz por ver uma manifestação como a tua aqui no blog.
Escrevo sobre esse assunto por que vi que falta maior conscientização sobre o que é ser um profissional nos quadrinhos. Estamos vivendo um período onde a nossa arte já é observada em outros países, mas na maioria das vezes, somos vistos como um celeiro barato de desenhistas. Nossos passes não são comprados corretamente. Por desespero somos vítimas de vinculos laburais que, na maioria das vezes concordamos, mas por questões de sobrevivências. Nos condicionamos com o pouco dinheiro e com o muito trabalho.
O Brasil começa a ser um celeiro de artes gráficas principalamente para o mercado norte-americano. Hoje são muitos os exemplos de desenhistas lá fora. Há espertos intermediando isso e pensando apenas em seus bolsos.Justificam os baixos valores de cachê das editoras por uma opurtunidade única profissional. Mas se formos ver quantos são os que caiem no golpe dos 30% veremos que o agenciador vai enriquecendo as custas.
Basta, covardes corruptos ladrões!
Agora chega de comer desse banquete. Saibam todos que vou abrir esse estômgo ganancioso corrupto. Colocar a sola das minhas botas sobre a ferida e arrancar os seus intestinos!
Farei isso com muito prazer, rindo sem parar.
Chegou a nossa vez!
Quadrinhistas! Mesmo aqueles que estiverem adormecidos lá dentro dos seus corpos conscientizemos da nossa força! Sem nós não há mercado. Se vivemos essa marginalização é sinal que de alguma forma contribuímos para essa situação. É chegada a hora de nos organizarmos!
Por favor, repassem esse blog para outros quadrinhistas e interessados em quadrinhos. Repassem para ecoar isso em todos os cantos. Espalhem nossa indignação à busca para a cura!
Carlos Ferreira
Walter,
incutir o terror é o melhor momento do trabalho.
Abraço.
Muito importante os seus comentários, toda classe que hoje é respeitada na sociedade, tem uma forma de organização, possuem seus códigos de ética e suas normas de conduta.É só observar como funciona com médicos, advogados, engenheiros,policiais, jornalistas etc... O que é realmente necessário é que nós desenhistas ( quadrinhistas ), sem exceção, passemos a tratar os quadrinhos com seriedade. Hoje, há muitas exposições e festivais de quadrinhos todos os anos no Brasil, mas quando você vai até lá, o que se vê são artistas tentando se promover, um "arrancando a cabeça do outro", ficam admirados com o que é produzido lá fora e se perguntado porque aqui não é assim. A resposta é simples, falta profissionalismo, inclusive por parte de artistas que já estão no mercado. Essas convenções são ótimas oportunidades para que os artistas se reunam de passem a tentar estruturar a classe, mas não...O que fazem é ficar um olhando para o outro esperando que algum milagre aconteça. Muito se fala da inexistência do mercado nacional; na verdade o mercado em potencial existe, mas não há produções voltadas para este mercado de fato. O que há são caricaturas do mercado americano e japonês. devemos parar de tentarmos "elitizar" os quadrinhos e pensarmos como pseudointelectuais, termos é que fazer os quadrinhos chegar ao povo, e o povo tem que se identificar com o que esta lendo. Muitos izem que os quadrinhos perderam espaço para outras formas de entretenimento como games e filmes, mas o que ocorre é que estas mídias estão chegando até o povo. Os quadrinhos têm que ser levados aos pontos mais altos das favelas e nos edifícios mais altas dos centros urbanos. Volto a te parabenizar pelo texto, se tivéssemos muitos outros quadrinhistas pensando como você, o mercado nacional e a qualidade de vida destes profissonais já estariam consolidadas.
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