domingo, 26 de outubro de 2008

Flauta Mágica

Sábado, 25 de outubro. A chuva faz com que eu pense em passar o dia em casa coçando o saco.
A Dani, minha esposa, não trabalha nos sábados. Esse é o dia em que ela tenta acordar sempre ao meio-dia. Os nossos filhos pulam cedo da cama querendo assistir os desenhos animados na tevê, enquanto eu zonzo de sono, faço o café da manhã deles.
Hoje é um sábado especial, mesmo zonzo, vou organizando na minha cabeça as minhas idéias. Parece que o meu último texto no Arquiteto das Sombras- Quadrinhos Criticados tá gerando polêmica. A crítica que escrevi da Power Trio é o assunto nas rodas quadrinhisticas.

“Cara, o que aconteceu? Por que tu pegou tão pesado com os guris?”
“Mano, não faz assim. Pra quê destruir com os caras?”
“Cara, tu ta ficando ruim...vai ficar sem amigos.”

Olha só, quando gosto e escrevo elogiando o que gosto, me chamam de bajulador, mas quando o contrário acontece, onde exponho o meu ponto de vista sobre o que acho ser fraco, aí a opinião é que quero derrubar Napolião do cavalo.

Para quem importar, releiam o texto, leiam o gibi. Sim, a crítica é dura, mas ela é construtiva. É preciso dizer o que é ruim ao que parece ser bom. Power Trio é exemplo disso, mas não significa que em uma continuidade essa revista não pode transmutar em algo melhor. Para isso serve uma opinião crítica.
Acredito que esses caras acreditam no potencial do que fizeram, mas na minha opinião, o que fizeram não tem potencial. O processo da criação da revista não foi o suficientemente desenvolvido, merecia ser melhor idealizado, pensado melhor e construído.
Para eu ser melhor compreendido, vou criar aqui uma personagem: O Ariel.
Ariel é um quadrinhista. Fã de quadrinhos de super-heróis, ele sonhou desde a infância em ser um desenhista dos super-heróis, como os seus ídolos Todd Mc Farlanne e Jim Lee. Para criar quadrinhos, estudou esses “feras” querendo ser o próximo Maestrean.
Ficou horas e horas dos seus dias preso em sua missão(Salvas a vez que foi ao cinema curtir o último filme do Michael Bay, a vez que comprou um cdzinho do Guns and Rose , e as vezes que se masturbou pensando em Britney Spears.).
Até aí, um ordinário adolescente dos anos 90.
Mas quando uma proposta de trabalho na terra de Osama Bin Laden revela Ariel ao mundo, ele consegue um contrato de exclusividade com umas das suas sonhadas editoras...
“Meu Deus, eu consegui!”
Foi visto como um funcional desenhista da grande corporação Super Comics. Desenharia um super-herói inseto chamado Cucaracha Celeste.
Apropriado da tão importante carreira, muitas coisas foram deixadas de lado, entre elas uma relação real com a vida. O que Ariel não sabia era que essa conquista é uma ilusão. Deixou os amigos de lado pelos negócios, às novas relações eram jogos de interesses para abocanhar mais o mercado.
Ariel para trabalhar as suas 18 horas no desenho das páginas não lia a Literatura. “Livros sem figuras só dá sono.”. Ariel também deixou de apreciar outras artes e nunca teve uma visão de mundo sem o verniz dos comics. Experimentar os seus limites só com os games, tevê e MC Donalds. Nem mesmo nos quadrinhos ele parou para questionar se existem outras formas de expressões fora o universo dos super-heróis. O seu universo era entretenimento.
Já em uma fase adulta Ariel achou-se pronto. Seu método de vida mostrou ter lucros financeiros. E para muitos é o que importa. Seus pais nada entendiam dessas histórias de super-heróis e quadrinhos, a pressão e discussão sobre dinheiro sempre foi pesada na adolescência, mas depois de Ariel mostrar que ele se sustentava com isso, os seus pais nunca mais opinaram contra. Talvez tenha isso sido à experiência de conflito real na vida de Ariel. Conquistou um senso de autonomia pelos próprios esforços. Acreditou ser livre. Ter poder sobre o seu destino quando provou da independência dos pais. Então a ambição e sede nos negócios cresceram. Ele sabia que não era o único que praticava quadrinhos, ele podia abrir uma empresa e agenciar outros desenhistas para essas editoras aumentando o seu poder e controle.
Ariel, com a sua empresa de produção e agenciamento de quadrinhos, conquistava mais editoras, mais contratos no nome dele. Mas depois de contratar e conhecer outros desenhistas algo mudou, talvez por influência dos desenhistas associados. Esses desenhistas tinham outras idéias para as suas carreiras, queriam ser famosos como Frank Miller. Um dia quem sabe ter os seus quadrinhos adaptados nos cinemas. Por outro lado era um sonho distante, já que eram desenhistas brasileiros que trabalham para o mercado norte-americano.
Então a mídia divulga que um outro grupo de quadrinhista brasileiros conquista os maiores prêmios dos quadrinhos norte-americanos. Conquista dada com uma publicação autoral tida como independente, por não ser editada por uma editora. Onde os autores não só desenharam como escreveram as suas próprias histórias e auto se editaram. Algo que Ariel e seus comparsas ainda não fizeram.
Ariel e seu grupo de desenhistas avaliam que as suas chances de mais atenção podem vir do mesmo caminho. Idealizam uma revista com o intuito de terem sucesso e fama.

Publicam a revista, mas não obtém o sucesso, só fama.
Fama: Conteúdo da publicação só expressa o quanto o grupo é centrado em suas experiências nas atividades de leitura e produção de “comics”. Eles entendem de ação, lutas, caretas malvadas e conflitos extremistas entre o bem e o mal.
Falta de sucesso: Onde era necessário mostrar uma visão e experiência de vida, foi narrado o maior clichê dos pactos com o diabo. Onde era preciso ter um desenvolvimento das personagens e conflitos, mostravam uma alegoria de fatos e uma catarse do que assistiram em filmes como Pulp Fiction e Snatch (Experiências cinematográficas copiadas ao extremo nas indústrias do cinema e quadrinhos). Onde era para ter diálogos, encontramos frases duras e sem as personalidades das personagens e cacoetes dos próprios autores.
Fracassam.

Eu não quis dizer que não terão fama, iate e mulheres. Esses mesmos sonhos dos traficantes, essa farsa de poder e o resto que se foda é uma grande possibilidade de utopia para eles.
Por um tempo fugaz o trio do poder vai ter a “galera” dizendo:
“Tá show! Esses caras desenham muito!”

Enfim, se um autor não lê, não vê, não experimenta fora do seu meio de trabalho. Não se conecta com a vida. Ele será oco e nunca vai ter o que dizer, nunca vai ter um subtexto. Não vai levar o leitor a experimentar algo novo, perceptível e humano para ele se identificar e questionar. Talvez essa seja a palavra chave: questionar. Quem não questiona, não quer aprender, não quer questionar e não quer que questionem. Depois de ler Power Trio o que você questiona? Esse produto de mercado finge ser independente, sem os próprios terem consciência disso. Produto de mercado sim. Comparável a embalagem de sabão em pó.
Vai ser mais um ópio para as massas. “A Matrix, Mat.”. Onde tudo está prontinho e mastigado, uma papinha de nenê.
Talvez o trio leia essa minha crítica e me amaldiçoe. Tente me exorcizar da internet e a Google. Mas uma coisa é certa: Quando estão sozinhos, na frente dos espelhos, ou no escuro, o que leram aqui troveja. Um relâmpago de lucidez e consciência emerge em um flash. Um mínimo “ talvez” estremece os seus egos como uma bomba nuclear.
Aproveitem. Ninguém vai escrever um texto como eu fiz hoje, desperdiçar o seu tempo de vida para escrever uma crítica honesta e profunda sobre os seus trabalhos. A idéia é desconstruir o que é ruim para ter esperança que isso atinja alguém e elucida algum guri novo e genial lá no fim da fila, um sonhador que vai fazer quadrinhos como forma de arte em um breve futuro. Tu aí na fila! Há outros caminhos e meios de se fazer quadrinhos. Não perca tempo como a grande maioria faz querendo fama e muita grana fácil. Equilibra o teu sonho com a vida. E se quer contar uma história em quadrinhos com sucesso busca essa história ao teu redor, em ti. Investigue. Ponha profundidade em teus textos. Seja original. Seja tu mesmo! Leve o tempo necessário, mesmo que isso se desenvolva em décadas. Saibas que não vai sair de uma vez, não vai estar e nascer pronto. É uma jornada de sofrimento e dor criar. Mas amor não é fácil.
Precisamos ver e ler algo melhor produzido, menos banal e mais humano. Algo que expurgue esse ser raso que nos consome e nos faz tão inútil e medíocre. Que só nos anula e não nos faz enxergar o que vale realmente. Não te entregues ao monstro!
Nenhum camarada tá aí para dar as verdadeiras barbadas, só oferecem tapinhas nas costas e rock and roll, véio!
Quem sabe entendam agora por que escrevo essa crítica e despertem dessa ignorância, parcerias.
Vamos ver o que acontece...
“ Cara, que importa isso? É só um textinho em um blog que ninguém lê.”
“ Não, hermano. É uma opinião bem formada de quem sabe das coisas.”

11 comentários:

Augusto Paim disse...

Carlos Ferreira!
Independente da opiniao sobre a qualidade dos quadrinhos, que nao tive acesso, preciso dizer que concordo completamente com o teu texto! Equilibrar o sonho com a vida! Encontrar o conteúdo em si mesmo! Como disse a Eliane Brum, jornalista, quando sentiu que tinha um material especial em maos: "me transformei mais furiosamente em mim mesma."

Essas sao realmente otimas dicas, nao soh para fazer quadrinhos, mas para viver! Tomara que os autores escolham ficar com essas!

Grande abraco!

Carlos Ferreira disse...

Augusto Paim!
Leio com grande satisfação e alegria o teu comentário aqui.
A fila vai mostrando que quer outros caminhos, vai equilibrando, dando um sentido real e não vazio.
Todos, depois de si mesmos, transformem com furiosidade o mundo!
Abraço!

fabiano gummo disse...

Ulalá!!
Isso sim é texto, carlos!
Li sem respirar, foi punk e transcendente!
muchas gracias pelas pérolas!

Augusto Paim disse...

Carlos, linquei teu texto no www.cabruuum.blogspot.com
Abraco!

Daniel Pereira dos Santos disse...

Sobre críticas: acredito que um crítico 'profissional', deva ter um certo distanciamento do trabalho analisado. Diria até frieza. No fim pode-se dizer a mesma coisa, mas com cuidado com as palavras - para não parecer pessoal e desqualificar o texto/resenha/crítica. Gosto muito dos textos do Paulo Ramos (Blog dos Quadrinhos), que quando não enaltece determinada obra não utiliza termos como "enganadora". Não conheço o pessoal da Powertrio, mas tenho a edição em questão - e poderia até concordar com sua visão, mas da forma que foi colocada (escrita) acredito estar fora do tom. No fim não importa - quem lê quadrinhos no país? Mas sinceramente creio que algumas formas de expor opiniões são desnecessárias. Eu mesmo vivo errando o tom, mas não apresento minhas idéias como resenhas ou críticas - deixo isto aos jornalistas formados que vivem disso. Escrevo apenas meus achismos sobre o que tenho contato.

Carlos Ferreira disse...

Gummo!
Eu que agradeço os elogios aqui.
E se fui "punk" e "transcedente" com o texto aqui, então parece que estou na jornada certa.

Grande abraço!

Carlos Ferreira disse...

Agusto!
Valeu a força!!!
Vamos divulgar o máximo!

Abração!

Carlos Ferreira disse...

Daniel,
Valeu os conselhos e dicas aqui.
Mas infelizmente ou felizmente eu não sou jornalista. A minha opção de carreira é artista. E como artista eu declaro esse manifesto: Quadrinhos Criticado- Arquiteto das Sombras.

Sim, as minhas críticas sempre são e serão de tom pessoal por que acredito que quando leio quadrinhos, estou abrindo os meus olhos (a janela da minha alma)para algo que fará parte de mim.
Somos carne, ossos e tempo.
Eu tenho a urgência de dizer o que eu enxergo no mundo. Acredito que fazer quadrinhos é sério. Precisamos ser mais avançados, sair da mediocridade rasa do entretenimento. Deixamos isso com as industrias, como autores façamos a diferença.
Eu também leio e gosto do Blog dos Quadrinhos. Gosto do estilo formal como as coisas são escritas ali.
Mas a coisa aqui rola e vai continuar rolando diferente, é o meu estilo...
Tu tá na lista dos próximos criticados, eu ainda não li o teu trabalho, mas estou na busca dele. Onde eu posso comprar?

Outra vez, valeu a tua opinião aqui.

Abraço.

Daniel Pereira dos Santos disse...

Carlos. Sinceramente não objetivei aconselhar com meu mal escrito texto, apenas expor o que percebo sobre o tema "crítica". Temo esta intenção de "sair da mediocridade rasa do entretenimento" - como artista, deves ter passado por este tipo de discussão inúmeras vezes. Quanto a versão impressa de Muertos, atualmente ela só se encontra disponível na HQ Mix Livraria (SP) - mas você pode lê-la aqui http://ds.art.br/hqs/muertos/. Admito que fico curioso de como interpretarias o limbo desta história.

Carlos Ferreira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carlos Ferreira disse...

Paz, Daniel.
Tá na boa. É importante opiniões no blog. Não só eu devo expressar idéias. Foi importante te ler nesse espaço, Daniel.
Mas não precisa temer a intensão de "sair da mediocridade rasa do entretenimento". Isso é bastante libertador!
Também o que eu digo aqui não é regra. A regra é não ter regra, mas ser verdadeiro.

Sim, como artista passei por esse tipo de discussão inúmeras vezes. Isso com Breccia, Muñoz, Mazzuchelli, Laerte, Rodrigo Rosa, Rafael Sica, Vasques, Santiago, Walter Pax e outros...
Sabe o que aconteceu na maioria das vezes?
Evoluímos!

Pode deixar, vou para São Paulo em breve, comprarei a tua revista lá no Hqmix e com prazer eu vou registrar aqui a minhas opinião aqui neste manifesto.

Abraço.